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António Roma Torres


A PAIXÃO DE JOSÉ AJUDADO


Edições Afrontamento

2018, editado em 2020 




José e Maria são pobres e amam-se. Precisam de ajuda. O Dr. Gabriel talvez seja um anjo. Anuncia a felicidade, mas os demónios que controla chamam-se doenças. Os outros, não sabe. A Dra. Conceição tem um catálogo de respostas, mas não sabe quais as perguntas. Nem quer perguntar. O que dá também tira. Não é uma graça. Ao Dr. Pilatos cabe julgar e lavar as mãos. A justiça é cega ou não quer ver. A cada passo se perde o poder e acumulam-se as culpas. Difícil viver ou só sobreviver. Nascer e morrer.


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JOSÉ - Ah, Dra Conceição. Ajudar-me mais não. Socorro! (berrando) Socorro!


CONCEIÇÃO (afastando-se) - José sempre teve problemas de relação em todas as áreas do seu funcionamento. É uma perturbação da personalidade. Vê-se bem. Nem se ajuda, nem se deixa ajudar.


(III Acto - Quadro IX)

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Apresentado por Maria Luísa Figueira no XIV Congresso Nacional de Psiquiatria no Centro de Congressos de Troia em 30.01.2020. Leitura do II acto por João Paulo Albuquerque (José), Sara de Sousa (Maria), Luiz Gamito (Pilatos) e Gabriela Moita (Conceição)


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BROTÉRIA, VOL 190, 5/6, Maio-Junho 2020, p. 608

TORRES, António Roma

A PAIXÃO DE JOSÉ AJUDADO

108 PÁGS., EDIÇÕES AFRONTAMENTO, 2020 (11€)

A Paixão de José Ajudado trata-se de uma peça de teatro - um drama -, dividida em três atos e nove quadros.  António Roma Torres, dramaturgo, crítico de cinema e psiquiatra de profissão, escreve uma peça romanceada e ao mesmo tempo dramática, precisamente sobre esse último assunto da psiquiatria. Faz uma analogia curiosa e arrojada com a Sagrada Família de Nazaré - a quem todo o tipo de peripécias acontece na peça — e com outras individualidades bíblicas, como o Arcanjo S. Gabriel e Pôncio Pilatos, mas o relevante não se centra aí. O livro é verdadeiramente interessante, não tanto pela analogia que procura fazer, mas do ponto de vista da denúncia que faz de alguns problemas sociais que assolam a sociedade com maior intensidade nos dias de hoje, ou pelo menos com mais visibilidade.

Vivemos numa época tomada por um grande ceticismo relativamente à verdade, onde impera um relativismo extremo, levando à crença de que nada de definitivo existe e que a verdade depende do consentimento ou daquilo que cada um quer. Nada há de mais errado do que isto, porque de facto a verdade existe e é possível conhecê-la e encontrá-la. Quando o juiz Pilatos, durante o primeiro julgamento de José Ajudado, afirma não saber o que é a verdade, reconhece desde logo que esta está sempre associada a um lado do bem e um lado do mal. Esta sua conclusão e o desenrolar da conversa permitem-nos a nós, leitores, concluir que a verdade está sempre associada a um lado bom, mais que não seja por se opor à mentira, ainda que por vezes ela possa levar aos mais devastadores acontecimentos. Perante a gravidez de Maria e José Ajudado, o Dr. Gabriel considera-a um autêntico milagre, enquanto Conceição considera que “mais uma pobre criança virá ao mundo” (p. 72), não considerando a mesma como um milagre, mas como uma espécie de empecilho. O mesmo acontece com José Ajudado, que acaba por perder as pernas e os braços, e o Estado - na pessoa da Conceição - o considera como uma vida que não parece humana, sugerindo-lhe o término da vida como o melhor tratamento. Como será possível que a vida, bem como a dor e o sofrimento não sejam vistos e entendidos pela sociedade atual com um olhar de esperança, mas com um olhar comercial?

O grande problema desta peça de teatro, cuja leitura aconselho vivamente, no meu entender, talvez consista na referida e arriscada analogia que faz.  Uma analogia mal conseguida e desnecessária que, quando mal interpretada, pode causar alguma agitação e até certa repelia por parte da­ queles que professam a fé católica. Ainda assim, só pelos problemas sociais que o autor denuncia de forma dramática e, por vezes, cómica - assemelhando-se a grandes autores portugueses que ao longo dos séculos fizeram o mesmo -, esta peça merece especial destaque e interesse.

António R. Telles Costa

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